Até pouco tempo as empresas que atuavam com este regime de trabalho eram vistas como descoladas e os funcionários em atividade ainda eram exceção. Eu trabalho em home office há quase dois anos e fui a primeira da minha equipe a atuar neste formato. É claro que houve um período de transição (especialmente pelo fato de eu gerenciar a equipe, além de atender a clientes), mas, na época, algo me chamou atenção: a romantização deste formato de trabalho. Lembro que surgiram até algumas piadinhas entre alguns colegas, de que eu iria trabalhar da beira da praia – estava me mudando para uma cidade litorânea - e de que meu rendimento poderia cair.
De fato, não há como negar que trabalhar de casa permite uma série de benefícios, como não precisar se deslocar, poder manter uma alimentação mais saudável e ter flexibilidade para intercalar atividades profissionais e pessoais ao longo da semana. Mas confesso que no começo me sentia um tanto culpada quando comentava sobre o cansaço no final da jornada ou mesmo quando me pegava pensando que meu rendimento, alguns dias, era bem superior se comparado a um dia “no escritório”.
Aí veio a pandemia. E o home office deixou de ser uma opção para muitas empresas – incluindo a que trabalho. E a verdade é que as pessoas que puderam ter a oportunidade de passar a trabalhar de casa, sem se expor tanto ao vírus, se sentiram, de certa forma, beneficiadas. O problema é que boa parte do mundo teve que se adaptar ao trabalho remoto da noite para o dia, no meio de uma quarentena. E, passados quase seis meses do primeiro caso de COVID-19 no Brasil, tem gente que não sabe o que fazer a não ser trabalhar e, por isso, não descansa - o trabalho, nesses casos, é praticamente uma fuga; Tem gente que está tão preocupada com o mundo que não consegue se concentrar e, aí, o trabalho é praticamente uma tortura. E somado a isso tem o sentimento supervalorização do trabalho, afinal, “tanta gente perdeu o emprego e eu estou empregado” - e nem vou entrar aqui nos casos de quem enfrenta o home office com filhos pequenos em casa, ou que mora com pessoas no grupo de risco.
Mas quando falamos em produtividade do trabalho remoto em tempos de pandemia precisamos lembrar que estamos correndo uma maratona sem saber muito bem onde está a linha de chegada. Se você está conseguindo ser produtivo, ótimo! Continue assim, mas não esqueça de descansar; Se você não está conseguindo render como gostaria e se sente exausto, você não é o único e precisa relaxar.
O estudo "O Futuro do Trabalho", realizado em maio pela Microsoft a partir de uma pesquisa com mais de dois mil profissionais dos EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, México e China, revelou que bastam 30 minutos de reuniões virtuais para que o cérebro registre sinais de fadiga e que mais do que duas horas em videoconferência é o suficiente para levar o trabalhador ao estado de estresse.
O objetivo do levantamento foi entender, através de entrevistas e estudos do cérebro humano, a experiência dos trabalhadores remotos neste período de pandemia. De acordo com a Microsoft, vários fatores levam à sensação de cansaço e, posteriormente, ao estresse em reuniões longas: ter de focar continuamente na tela para extrair informações relevantes e permanecer engajado; ter de traduzir expressões não verbais; saber de quem é a vez de falar; ter pouca visão das pessoas com quem está interagindo e a própria luminosidade da tela.
A pesquisa da Microsoft destaca também que a pandemia terá um impacto duradouro no trabalho: o dia útil de trabalho 9h às 18h pode estar desaparecendo de vez, uma vez que a jornada profissional tende a ser ainda mais flexível, porém sem hora certa para acabar – muito em função de todas as plataformas disponíveis para que os profissionais estejam à disposição da empresa.
E isso significa que de “meta de vida” de muita gente, o home office se tornou um vilão? NÃO! Mas é preciso lembrar que muitos dos benefícios ligados são reais num mundo sem pandemia, no qual era possível circular mais livremente por aí sem o risco de contrair uma doença.
E não dá pra se manter saudavelmente produtivo no momento atual? Sim, mas uma pergunta importante precisa ser feita: a que custo? Será que não devemos nos atentar para possíveis burnouts?
Meu alerta aqui é para pararmos de romantizar o home office, focando apenas em seus benefícios e esquecendo que as pessoas atrás de cada computador não são máquinas e sim seres que estão vivendo e absorvendo todos os acontecimentos deste ano tão atípico pra humanidade. É preciso lembrar, a cada dia, que vale mais chegar bem e inteiro ao final da maratona, do que enfrentar um processo de burnout ou mesmo chegar a uma depressão.
Então, se você é um gestor de equipe, como eu, ao ver altos índices de produtividade nesse momento, não deixe de verificar como estão seus liderados e como VOCÊ está. Às vezes, alta produtividade pode não equivaler a equilíbrio e bem-estar. Vale conferir para garantir a saúde e sustentabilidade de todos durante esse longo e desconhecido caminho.